O trabalho realizado por diversas instituições do Brasil em favor da universalização do acesso à internet ganhou um importante aliado. No dia 30 de março, o Conselho Diretor da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) aprovou a criação do Grupo de Trabalho de Redes Comunitárias (GT Redes Comunitárias).
Segundo o órgão regulador, o objetivo será aproximar o diálogo com a sociedade civil e discutir mecanismos de melhoria e maior viabilidade das redes comunitárias, de modo a derrubar barreiras e superar os desafios postos.
– Nossa agenda de trabalho nos próximos dois anos será bem intensa, mas muito propositiva e com esperança de que conseguiremos avançar bastante – acredita Marcelo Saldanha, presidente do Instituto Bem-Estar Brasil (IBEBrasil), entidade que se dedica a ações de incidência política e regulatória em favor das redes comunitárias desde 2008.
Marcelo reconhece que houve avanços importantes nos últimos anos, como as Resoluções 617/2013 e 680/2017, que permitiram o licenciamento e a dispensa de autorização para instalação de redes comunitárias e possibilitaram que qualquer cidadão, associação ou empresa de pequeno porte possa prover o acesso de forma desburocratizada e a custos mais acessíveis.
Mas, na sua avaliação, ainda há pontos importantes que precisam avançar, como a redução no custo do uso do espectro (ainda incompatível com a realidade da maioria das redes comunitárias), a simplificação do processo regulatório de solicitação de licenças e a criação de políticas públicas de expansão da rede de alta capacidade (backhaul), possibilitando que a fibra óptica chegue a localidades infoexcluídas.
O presidente do IBEBrasil cita, ainda, o direito de as redes comunitárias e cidades digitais se interconectarem à internet através da política de backaul de forma diferenciada em relação aos contratos de Interconexão de Rede de Dados de Alta Capacidade por meio da plataforma SNOA (Sistema de Negociação das Ofertas de Atacado).
– Nos últimos dois anos, tivemos um debate profundo sobre este tema, que culminou com a assinatura de um memorando entre a Anatel e a Embaixada Britânica. Várias iniciativas estão ocorrendo em torno da melhoria do cenário de inclusão digital no país. Este foi um ponto de fortalecimento do debate público – afirma Saldanha.
Como funcionara o GT
Coordenado pelo conselheiro da Anatel Vicente Aquino, o Grupo de Trabalho de Redes Comunitárias contará com a participação de três representantes da agência, um do Ministério das Comunicações, um das operadoras de telecom, um das Prestadoras de Pequeno Porte (PPP) e quatro de entidades que representam as redes comunitárias.
O GT apresentará um relatório com recomendações regulatórias até o dia 30 de junho. Cronologicamente, serão realizadas as seguintes atividades:
1 – Mapeamento das redes comunitárias existentes no Brasil (quem são, onde estão e qual o perfil da comunidade atendida);
2 – Consolidação da informação sobre a existência de oferta de acesso à internet em banda larga nas regiões onde as redes comunitárias se encontram, assim como a média da renda familiar da comunidade e dos preços praticados pelas teles nessas localidades, se houver;
3 – Identificação das demandas dos representantes das redes e competências para o respectivo atendimento;
4 – Recomendação de adequações regulatórias, caso se mostrem úteis ou necessárias;
5 – Apresentação de ações de outras naturezas, como elaboração de cartilhas informativas e outros documentos que ajudem a esclarecer quanto ao licenciamento das redes ou forneçam outras informações pertinentes.
O Comitê de Redes Comunitárias, instituição formada por várias entidades, coletivos e associações ligadas ao tema, solicitou que, na portaria de nomeação dos integrantes da sociedade civil, seja feito um adendo para permitir a participação de convidados e especialistas, dando mais transparência e democracia ao processo.
Inclusão digital
A pesquisa TIC Domicílios 2021 indicou que aproximadamente 35,5 milhões de brasileiros e brasileiras ainda não têm acesso à internet no Brasil. A grande maioria não dispõe de recursos para pagar pelo serviço oferecido pelos provedores comerciais. Muitas dessas pessoas também moram em periferias e comunidades rurais onde as empresas privadas não atuam por falta de viabilidade financeira.
As redes comunitárias surgiram para tentar preencher esta lacuna. Geralmente formadas através de organizações sociais coletivas, elas operam sem fins lucrativos, permitindo que a população desenvolva uma estrutura de acesso à internet voltada para o bem comum, com custos sociais e justos. Cada vez mais numerosas, essas redes trazem diversos benefícios, como o acesso à informação e a serviços públicos, comunicação, educação a distância e desenvolvimento socioeconômico local.
Movimento ganhou força em 2022
O movimento pela universalização da internet se fortaleceu nos últimos meses. Em junho de 2022, o deputado federal Orlando Silva (PCdoB-SP) apresentou na Câmara o Projeto de Lei 1.938/2022, que institui a Política de Inclusão Digital nos Municípios. Construído através de ações coletivas que envolveram IBEBrasil, Coalizão Direitos na Rede (CDR) e Comitê de Redes Comunitárias, o PL estabelece mecanismos para que todos os municípios do Brasil promovam o acesso em banda larga, dando suporte às iniciativas de cidades digitais, inteligentes e do conhecimento. O texto ainda aguarda tramitação na Comissão de Comunicação.
Em novembro, diversas instituições se uniram para promover o II Encontro de Redes Comunitárias de Internet, que reuniu lideranças de comunidades, aldeias e quilombos de todo o país em São Paulo (SP). Durante o evento, foi elaborada uma carta aberta apontando a importância de o Estado criar políticas e estruturas públicas que assegurem acesso significativo à internet e outras tecnologias para atender às demandas das comunidades de forma gratuita ou a custos compatíveis com as realidades locais.