O movimento pela universalização do acesso à internet no Brasil ganhou ainda mais força na luta pelo acesso significativo.
Representantes de redes comunitárias de todo o país divulgaram uma carta aberta, na qual apontam a importância de o Estado criar políticas e estruturas públicas que assegurem acesso significativo à internet e outras tecnologias para atender às demandas da comunidade de forma gratuita ou a custos compatíveis com as realidades locais. O documento foi construído no II Encontro de Redes Comunitárias de Internet, ocorrido em São Paulo (SP) nos dias 10 e 11 de novembro.
No Brasil, 35,5 milhões de pessoas ainda não têm acesso à internet, de acordo com a pesquisa TIC Domicílios 2021. Embora desde 2011 a Organização das Nações Unidas (ONU) considere este acesso como direito humano fundamental, a lacuna persiste no Brasil e no mundo, ampliando desigualdades.
A carta foi uma forma de reivindicar processos participativos de construção de políticas públicas que sejam efetivas para expandir o acesso sem desigualdades. Nesse sentido, ela lembra a importância da construção de um ambiente de incentivo por meio de medidas como “a existência de fundos públicos e privados para apoiar as redes comunitárias, para fomentar o desenvolvimento de tecnologias e aplicações a partir das comunidades, a aquisição de equipamentos e infraestruturas necessárias, a realização de atividades de formação, a manutenção da rede social e técnica necessárias para a continuidade dessas redes”. (leia a carta na íntegra)
O encontro de São Paulo reuniu lideranças de todas as regiões do Brasil. Por dois dias, elas puderam trocar experiências e debater o papel das redes comunitárias dentro das diretrizes das políticas públicas de inclusão digital no país. O evento foi organizado pelo Comitê de Redes Comunitárias (CRC), com apoio do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), Internet Society (ISOC), Internet Society – Capítulo Brasil (ISOC Brasil), Coalizão Direitos na Rede (CDR), Association for Progressive Communication (APC) e Rhizomatica.
Participaram representantes de populações quilombolas, indígenas, rurais, tradicionais e periféricas, produtores e trabalhadores auto-organizados, ribeirinhos, pescadores, marisqueiras, quebradeiras de coco, comunidades tradicionais de fundo e fecho de pasto e populações migrantes e refugiadas. Durante o evento, essas lideranças foram convidadas a integrar o CRC, que está se expandindo. Também estiveram presentes membros da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) e autoridades políticas.
O QUE SÃO REDES COMUNITÁRIAS
Cada vez mais numerosas no Brasil, as redes comunitárias de internet geralmente se formam através de organizações sociais coletivas, institucionalizadas ou não. Elas permitem que grupos de pessoas num determinado bairro ou localidade desenvolvam uma estrutura de acesso à internet que atenda às demandas da comunidade e seja voltada para o bem comum, sem fins lucrativos, com custos sociais e justos.
Esta via de inclusão digital traz diversos benefícios, como acesso à informação e a direitos, serviços de saúde e educação, serviços online, desenvolvimento socioeconômico local, acesso a serviços públicos e alertas meteorológicos. Também fortalece a autonomia individual e coletiva em relação às tecnologias da informação e comunicação.
ENCONTRO DESTACA A RELEVÂNCIA DAS REDES COMUNITÁRIAS
Participante de uma das mesas de debate do encontro, o gerente de Universalização e Ampliação do Acesso da Anatel, Eduardo Jacomassi, reconheceu que o Estado precisa garantir recursos para beneficiar locais desatendidos pelas políticas de inclusão digital. Segundo ele, a mudança que está ocorrendo na lei do Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (FUST) poderá beneficiar as redes comunitárias com investimentos diretos em infraestrutura e expansão do acesso à internet.
– É ótimo participar desse tipo de evento, porque a gente consegue pessoalmente entender quais são as angústias, necessidades e aspirações das redes comunitárias – disse Jacomassi. Segundo ele, essa aproximação também se traduzirá em simplificação da regulamentação existente e atração de recursos específicos.
Outro ponto debatido no encontro foi o Projeto de Lei 1.938/2022, do deputado federal Orlando Silva (PCdoB), que institui a Política Pública de Inclusão Digital nos Municípios. Fruto de ações que envolveram a participação de entidades que defendem o acesso à internet como um direito universal, o PL estabelece mecanismos de financiamento para que os municípios promovam o acesso à internet em banda larga, destinando a eles 50% dos recursos não reembolsáveis do FUST. Orlando foi representado no evento pelo assessor Dênis Veiga.
– Os novos ventos apontam para um caminho de grandes oportunidades. Apesar de uma parte da população brasileira continuar excluída de seus direitos, temos grandes expectativas e sonhos de um futuro melhor – disse Marcelo Saldanha, presidente do IBEBrasil, uma das entidades participantes do CRC e organizadoras do encontro. Em sua opinião, é possível tornar o ambiente mais favorável às políticas públicas e sociais de acesso, como as redes comunitárias, telecentros e cidades digitais, sem nenhum prejuízo às grandes operadoras de serviços de telecomunicações.
Para Bruna Zanolli, da Rhizomatica, já foram dados passos importantes, como o reconhecimento das redes comunitárias por parte da Anatel. “Mas a gente ainda tem um largo caminho para fazer com que as redes comunitárias sejam sustentáveis, sejam viáveis e sejam uma solução para a maior parte da população que está desassistida por conectividade”. A Rhizomatica e a APC (Association for Progressive Communications) lideram uma iniciativa coletiva de apoio às redes comunitárias em parceria com pessoas e organizações na África, Ásia e América Latina e Caribe.
SUCESSOS E DESAFIOS
Embora ainda haja desafios regulatórios e financeiros a serem superados, há muitas histórias de sucesso no campo das redes comunitárias. No município de Penalva (MA), desde 2017 uma rede comunitária beneficia comunidades quilombolas que viviam excluídas digitalmente. “A gente pensava que era só acesso à internet, mas, com a Covid-19, houve a amplitude do projeto, valorizando muito a educação e a juventude, que precisou desse acesso”, disse Giovânia Machado, uma das coordenadoras. “Nosso desafio é dar continuidade”.
Membro da Pastoral da Terra, Sandra Leny luta pela implantação de redes de internet nas comunidades tradicionais do centro-oeste baiano, região precária de conectividade e serviços de telefonia. “São comunidades que estão em conflito, que sofrem diariamente ameaças, agressões e invasões de seus territórios em função do avanço do agronegócio e de grandes empreendimentos. A rede comunitária vai levar um pouco de liberdade a elas, para que possam se comunicar, interagir e se defender. Além disso, vai dar visibilidade e ajudar as comunidades a vender seus produtos”.
Com a divulgação da carta, o movimento se fortalece para debater as redes de internet comunitárias no próximo governo. A expectativa é que essas redes façam parte das diretrizes de políticas públicas de inclusão digital do próximo governo federal.
Redes Comunitárias de Internet lançam carta aberta reivindicando políticas públicas de acesso