As Redes Comunitárias enfrentam desafios de simplificação dos processos de formalização e regularização, bem como, a falta de fomento por meio de políticas públicas.
A recém divulgada pesquisa “Redes Comunitárias de Internet no Brasil” traz dados reveladores sobre uma realidade do país que é pouco conhecida por grande parte da população. Em pleno século 21, o acesso significativo à internet não é um direito assegurado e não faz parte das políticas públicas fundamentais ao cidadão.
As redes comunitárias de internet são uma alternativa importante para atender as populações em áreas desatendidas pelos provedores comerciais, por serem sem fins lucrativos e promover a inclusão digital e o acesso a vários direitos e benefícios sociais.
No país, ainda existem obstáculos enormes em relação à implementação de políticas públicas para atender o gargalo do acesso à internet. Para Marcelo Saldanha, presidente do IBEBrasil, os desafios são grandes porque existem as ausências do MCOM (Ministério das Comunicações) e da Anatel por não avançarem no estímulo e criação de políticas públicas e regulatórias que ofereçam segurança na expansão de redes comunitárias.
– Chega a ser triste verificar o descaso do governo com as iniciativas comunitárias de acesso à internet, onde em âmbito internacional a agência reguladora, que representa o Estado Brasileiro está alinhada às recomendações da UIT (União Internacional de Telecomunicações) em favor das redes comunitárias. Só que isso não ocorre dentro do nosso país, internamente a Anatel ao lado do MCOM são omissos e ainda criam barreiras pela falta de acesso aos recursos públicos e mudanças relevantes de assimetrias regulatórias no marco legal – critica Saldanha.
Onde estão as redes comunitárias
Em sua ampla maioria, elas estão em localidades tradicionais ou em comunidades onde o Produto Interno Bruto (PIB) per capita é abaixo da média nacional. Essas redes, por não terem finalidade lucrativa apresentam um custo mensal inferior a R$ 1.000. Enfrentam desafios comuns, como a necessidade de simplificação dos processos de formalização e regularização, bem como, a falta de fomento através de políticas públicas.
A pesquisa “Redes Comunitárias de Internet no Brasil” foi realizada pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br) e pelo Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (NIC.br). O trabalho teve a condução do Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.br) e pela Assessoria às Atividades do CGI.br, com colaboração do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap). A apresentação dos resultados aconteceu na última segunda-feira (05/09), durante um evento na Casa dos Meninos, em São Paulo, com transmissão ao vivo pelo YouTube.
O trabalho teve duas etapas. A primeira consistiu num estudo exploratório, no qual foram feitas 19 entrevistas com atores estratégicos. Na segunda etapa, foram listadas 63 experiências de redes comunitárias, das quais o CGI.br e o NIC.br obtiveram informações de 54 e realizaram 40 entrevistas entre novembro de 2021 e março de 2022. Vinte redes estão no Sudeste, 19 no Nordeste, 17 no Norte, quatro no Centro-Oeste e três no Sul do país.
Principais resultados da pesquisa
Das 40 redes entrevistadas, 28 estão em municípios com PIB per capita abaixo da média nacional e 20 estão no grupo dos municípios que apresentaram as 25% piores notas para o IDEB no ensino médio. Ou seja, as redes comunitárias estão localizadas em territórios vulneráveis, excluídas digitalmente e com baixo desenvolvimento econômico. Os dados também apontam que 83% delas estão em localidades tradicionais, como áreas quilombolas, aldeias ou territórios indígenas.
– Esses resultados apontam para a possibilidade de esses projetos absorverem demandas sociais que não conseguem entrar nas agendas governamentais, aproximando cidadãos que estão mais distantes dos serviços oferecidos pelo governo. São projetos que se realizam pela falta de infraestrutura. Mas não só isso: eles se realizaram pela dificuldade de determinados grupos sociais conseguirem acesso à internet, dado que o modelo de política de inclusão digital brasileira é muito baseado na questão econômica – analisou Juliano Cappi, da Assessoria às Atividades do CGI.br.
A pesquisa foi além na radiografia das redes comunitárias do Brasil. Noventa por cento delas surgiram de uma demanda da comunidade ou de uma associação local e 98% contaram com o envolvimento ativo desses atores sociais. Fundamentalmente, as redes comunitárias de internet atendem moradores, escolas, igrejas e associações locais e têm baixo custo mensal de manutenção (para 53% das redes, é inferior a R$ 1.000). Noventa e três por cento são organizações sem fins lucrativos.
Também foram analisados os hábitos dos usuários. As redes comunitárias são mais utilizadas para promover eventos, festividades e atividades culturais (50%), mobilizar os membros sobre campanhas e temas de interesse (50%), ver notícias (50%), estudar (48%), se informar sobre questões da comunidade ou do território (45%), trabalhar (45%), compartilhar conteúdo (40%), acessar redes sociais (40%) e assistir a vídeos (40%). Nas redes que compartilham os custos de manutenção com os usuários, a contribuição gira em torno de R$ 30 por mês.
Combatendo as desigualdades
Dados da pesquisa TIC Domicílios de 2021 indicam um aumento da conectividade nos últimos 14 anos nos domicílios brasileiros, embora ainda haja uma diferença entre as áreas urbanas, onde há maior presença do cabo e fibra óptica, das áreas rurais, onde predominam a conexão via rádio ou satélite.
Durante a pandemia de Covid-19, os estudos realizados pelo Cetic.br e NIC.br apontaram avanços na provisão de serviços de forma remota em diversos setores, como educação e saúde. No entanto, os dados revelaram que uma parcela mais vulnerável da sociedade ainda encontra barreiras para o acesso a essas tecnologias de informação e comunicação. Enquanto o acesso à internet é praticamente universalizado entre os indivíduos de alta renda e escolaridade, aqueles em situação de vulnerabilidade ou que vivem em áreas rurais enfrentam maiores barreiras de conectividade a partir de seus domicílios.
Nesse contexto, destaca a União Internacional de Telecomunicações (UIT) E A Alliance for Affordable Internet (A4AI), são importantes os modelos alternativos de expansão da conectividade, como as redes comunitárias. Além de proverem a infraestrutura necessária, elas podem auxiliar na apropriação das TIC por meio da oferta de serviços voltados à ampliação das habilidades digitais, bem como à participação da comunidade em decisões coletivas.
Experiências bem-sucedidas
Um dos exemplos de que as redes comunitárias são viáveis e necessárias está na própria Casa dos Meninos, que sediou o evento de apresentação dos resultados da pesquisa. Localizada no Jardim São Luís, zona sul da cidade de São Paulo, a associação social sem fins lucrativos mantém uma rede de intranet que atinge um raio de 1 quilômetros no entorno.
– Hoje as redes comunitárias são os únicos locais onde a sociedade civil organizada consegue falar de tecnologia – observa Daiane Araújo, coordenadora do projeto. “Eu percebi que o processo de construção de uma rede comunitária é longo, é demorado, mas é possível. E a gente está aprendendo a fazer com que ele seja possível para mais pessoas”.
Outro bom exemplo vem do Maranhão. Em 2015, um grupo de jovens criou o Mídia Índia, que utiliza a internet para fortalecer as comunidades indígenas e dar visibilidade às suas causas. “É a luta contra o desmatamento, contra o garimpo, contra os projetos de lei que estão na Câmara dos Deputados, em Brasília, que querem viabilizar a entrada nos territórios indígenas para extrair o máximo possível”, destacou Erick Terena, representante da instituição, que participou do lançamento do estudo “Redes Comunitárias de Internet no Brasil”.
Necessidade de políticas públicas
Para Marcelo Saldanha, que também contribuiu através das entrevistas e na indicação de redes comunitárias no Brasil, é fundamental estabelecer a garantia do acesso universal e significativo da internet. Importante ter um olhar para o desenvolvimento das iniciativas locais de forma que auxilie na resolução dos problemas históricos de desigualdades sociais.
– É possível reduzir a exclusão digital, tendo como fundamento a garantia do acesso universal e significativo da internet, ou seja, uma internet que não vive a lógica do mercado, mas, sim, uma internet de direitos, emancipadora, democrática e que gere desenvolvimento local sustentável. Empoderando assim as comunidades através das TIC e inserindo todos e todas na sociedade da informação. Que possamos somar esforços e nos unir com esta causa, para estarmos juntos na construção coletiva de uma internet plural, acessível e justa para todos e todas – disse o presidente do IBEBrasil – comentou o presidente do IBEBrasil.