Na zona rural de Campos dos Goytacazes (RJ), no extremo norte do estado do Rio de Janeiro, está sendo implantada a primeira rede de internet comunitária do Brasil em fibra óptica.
A localidade de Espírito Santinho, onde predomina a agropecuária, está fazendo história. E os moradores já têm muitas novas histórias para contar.
– Muita coisa que eu não sei, a internet ensina. É como se eu tivesse feito um curso, uma faculdade. Para mim, foi uma mão na roda – afirma o produtor rural Jorge Elias Oliveira Farias. Empolgado com a chegada da banda larga à sua propriedade, ele montou seu próprio canal no YouTube, onde mostra a rotina de trabalho e ensina a fazer pequenas tarefas do dia a dia de uma fazenda. Sonha, agora, com o retorno das duas filhas, que, por falta de conexão, precisaram sair para estudar na cidade.
A rede comunitária já funciona em Espírito Santinho há três anos. O projeto de fibra óptica é financiado pela ISOC (Internet Society) e fruto de uma parceria do Instituto Bem-Estar Brasil (IBEBrasil) com o Instituto Federal Fluminense (IFF) e a associação de moradores local (AMORES). A solução encontrada para conectar a população local com o mundo foi o sinal via rádio, que chega através de antenas instaladas em morros e residências.
Nessa parceria, o IFF forneceu equipamentos – incluindo antenas e roteadores. O IBEBrasil entrou com a experiência na montagem de redes comunitárias, oferecendo capacitação e o suporte técnico inicial. Coube à Associação de Moradores de Espírito Santinho (Amores) mobilizar a população e explicar que seriam eles próprios os gestores da rede – que se mantém através de uma pequena contribuição mensal de cada usuário.
As condições geográficas da região, no entanto, eram uma barreira natural à expansão da rede e melhoria na qualidade do serviço. O fato de a localidade estar cercada de morros dificultava a irradiação do sinal a vários pontos – principalmente ao núcleo central, onde fica a maior concentração de residências. A fibra óptica veio como uma solução, pois resolve tanto o problema de acesso quanto o da qualidade do sinal.
Modelo de redes neutras
Nesta nova etapa, o modelo adotado foi similar ao de redes neutras, no qual uma estrutura de acesso à internet é compartilhada por mais de um operador. No caso de Espírito Santinho, um provedor local – a Essa Internet, que já atendia alguns clientes da região comercialmente – entrou como parceiro, ficando responsável pela implantação da fibra óptica na última milha. Coube ao provedor comunitário o papel de interconectar a rede com os usuários, além de assumir os custos de manutenção através de processo associativista.
– Este modelo reduz os custos operacionais do provedor parceiro e, em contrapartida, oferece vantagens ao usuário da rede comunitária, inclusive econômicas – explica o presidente do IBEBrasil, Marcelo Saldanha, que destaca outras vantagens da rede de internet comunitária. “Hoje, temos políticas de governo digital onde a maioria dos direitos e benefícios advêm da necessidade de ter acesso à internet. Além disso, a comunidade passa a ter ganhos com o acesso de qualidade, tendo acesso à educação, qualificação, a poder fazer negócios pela internet e muitas outras possibilidades”.
Um sonho ainda maior
Presidente da Amores, Wagner da Silva Crespo teve uma participação importante nesse processo. Graduando em Engenharia de Controle de Automação no IFF, ele já tinha acompanhado o IBEBrasil na montagem de outras duas redes comunitárias, nas localidades de Marrecas (Campos dos Goytacazes) e Barra do Açu (São João da Barra), mas não se conformava com o fato de seus vizinhos estarem tão isolados do mundo. Wagner se tornou uma peça motivadora (se tornou uma inspiração) para o sucesso do projeto.
– Eu me sinto fazendo a minha parte, né? Gostaria de fazer muito mais, mas já estou muito satisfeito com o que a gente consegue realizar – conta. “Nosso objetivo é esse: transportar as facilidades que a gente tem nas cidades para pessoas que não têm acesso à internet, seja porque a rede não chega, seja por dificuldade financeira”.
Marcelo Saldanha sonha com algo ainda maior. Desde 2010, o IBEBrasil faz um trabalho de incidência política em nível nacional para garantir que a internet seja incluída no artigo 5º da Constituição Federal, sendo considerada como um direito fundamental. A partir daí, iniciativas como a de Espírito Santinho ganharão força. Mais do que isso, serão reconhecidas como uma política de Estado, capaz de incluir milhões de pessoas e levar o país a um novo patamar de desenvolvimento social e econômico.
– O que nos motiva é vir a uma comunidade como Espírito Santinho e ver as pessoas construírem seu próprio acesso. Isso é emancipador. Apesar das dificuldades, o que nos move é abraçar essa causa e fazer a construção daquela internet que a gente desejou desde o início: uma internet plural, onde todos possam ter acesso a todos os conteúdos, a todos os direitos. É a democratização das telecomunicações – diz Saldanha.