Política Pública
CIDADES DIGITAIS LIVRES E SUSTENTÁVEIS
Cidades digitais livres e sustentáveis
Introdução
QUAL A IMPORTÂNCIA DO LIVRE ACESSO À INFORMAÇÃO?
Um estudante troca informações sobre um trabalho de escola com os colegas, via rede social. A dona de casa recebe, por e-mail, o carnê do IPTU. Enviando um torpedo via celular, o trabalhador agenda uma reunião no escritório. Um agricultor acessa o site de um instituto de meteorologia para saber se vai chover no fim de semana. Eles podem não perceber, mas estão utilizando as Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC).
Cada vez mais, num mundo globalizado, estas ferramentas contribuem para o bem-estar das pessoas. Muito mais do que isso: as TICs ajudam a diminuir as desigualdades sociais, aproximam os povos, disseminam a educação e tornam-se importantes instrumentos de participação social, promovendo a democracia. Hoje em dia, grandes movimentos populares – como o que derrubou ditaduras no mundo árabe – começam nas redes sociais. Com as TICs, o cidadão sai fortalecido, faz parte das grandes decisões do meio onde vive. Passa a ter poder.
Recentemente, a Organização das Nações Unidas (ONU) considerou o uso da internet “um direito fundamental” do homem, afirmando que “desconectar as pessoas é um crime e uma violação dos direitos humanos”.
A grande questão a ser respondida é: como garantir que toda a população tenha livre acesso à rede mundial de computadores, com boa velocidade e a baixo custo?
Banda Larga
Para incentivar a inclusão social e o desenvolvimento de novas tecnologias, o governo brasileiro criou o Programa Nacional de Banda Larga (PNBL), através do Decreto no 7.175, de 12 de maio de 2010. Seu objetivo é expandir a infraestrutura e os serviços de telecomunicações em todo o país, com utilização de rede de fibra óptica, possibilitando que toda a população tenha acesso à internet com as melhores condições de preço, cobertura e qualidade. A meta do PNBL é garantir que, até o ano 2014, pelo menos 40 milhões de domicílios brasileiros tenham acesso a banda larga, à velocidade de no mínimo 1 Mbps.
Os objetivos propostos pela PNBL são:
- Massificar o acesso a serviços de conexão em banda larga à internet.
- Acelerar o desenvolvimento econômico e social.
- Promover a inclusão digital.
- Reduzir as desigualdades social e regional.
- Promover a geração de emprego e renda.
- Ampliar os serviços de Governo Eletrônico, facilitando o uso dos serviços do Estado.
- Promover a capacitação da população para o uso das Tecnologias de Informação e Comunicação.
- Aumentar a autonomia tecnológica e a competitividade brasileiras.
As políticas deste programa, no entanto, vêm sofrendo forte pressão por parte das grandes empresas de telecomunicações. Visando apenas aos seus interesses, estas empresas formam um oligopólio, colocando o lucro à frente do interesse público. Diante deste cenário, o governo tem se mostrado frágil.
A empresa Telecomunicações Brasileiras S.A. (Telebras), que tem papel vital neste processo, vem gerenciando o PNBL de forma ineficiente, mostrando-se desconectada de sua função social. Prejudica, assim, o processo de garantir a soberania nacional e o interesse público através de uma rede de transporte de informação com infraestrutura pública.
Cidades digitais
Na contramão deste cenário, surgiram as Cidades Digitais. Elas englobam projetos de democratização da internet que possibilitam à população ter acesso a informações e serviços através de forma universalizada, seja nos domicílios ou em teleportos, telecentros, quiosques multimídia e outros equipamentos urbanos.
O projeto busca meios para que os cidadãos possam acessar, utilizar, produzir e disseminar informações e conhecimento, participando de maneira efetiva e crítica da sociedade da informação.
Quando se fala em Cidade Digital, a primeira imagem que vem à mente é a criação de núcleos de informática em comunidades carentes. Mas o projeto é muito maior. Para ser digital, uma cidade deve modernizar a gestão pública, oferecer novos serviços e facilidades às pessoas, abranger todos os setores da administração. Veja alguns exemplos:
Educação – Os estudantes podem ter acesso a livros on line, participar de chats sobre temas discutidos em sala de aula ou acessar bibliotecas virtuais. Os professores podem fazer cursos de capacitação a distância.
Saúde – O cidadão pode marcar consultas via internet. Os médicos têm acesso a videoconferências. Os postos de saúde de uma cidade podem estar interligados em sistema on line.
Segurança – Câmeras de vigilância podem ser acompanhadas via internet, que também podem interligar as polícias e guardas municipais.
Administração – O carnê de IPTU é acessado via internet, assim como guias para o pagamento de outros impostos. O servidor público tem acesso imediato a informações e serviços, como emissão de contracheque.
Cidadania – Nos bairros, praças e locais de grande circulação, a instalação de telecentros possibilita que o cidadão navegue pela rede mundial de computadores, consulte serviços, faça reclamações e dê sugestões para melhorar a administração de sua cidade.
Economia – O pequeno empreendedor pode legalizar mais rapidamente seu negócio, tendo acesso a órgãos do governo via on line.
Modelo ainda deixa a desejar
Dentro das premissas estabelecidas pelo governo federal para as Cidades Digitais, no entanto, o cumprimento da função social da internet de forma sustentável não vem acontecendo em nenhum dos três cenários previstos no edital de seleção para as cidades digitais disponível no site do Ministério das Comunicações. Estes são os cenários:
- Redes públicas sob concessão com empresas privadas – O poder público tem a infraestrutura do serviço (rede de fibra óptica), mas permite que empresas privadas explorem comercialmente os pontos de ligação entre o provedor de acesso à internet e os clientes (a chamada última milha), um serviço que o governo deveria garantir a custo baixo ou até gratuitamente. O edital prevê que, em troca desta concessão, as empresas abram o sinal de internet em praças e locais de grande circulação de pessoas. Mas, na prática, isso não garante o livre acesso à informação: além de não universalizar o acesso à internet, faltam políticas públicas de infraestrutura e segurança nos locais públicos.
- Redes públicas sob concessão com empresas públicas – A prefeitura assume a responsabilidade pela rede, mas a cobrança é feita por uma empresa pública (administrada pelo governo municipal). Como uma empresa – ainda que pública – precisa ter lucro para existir, a função social do serviço de internet continua comprometida.
- Redes públicas sob controle total do governo municipal – Neste caso, a prefeitura assume a gestão do serviço. Como não pode cobrar nada ao cidadão pelo acesso à internet, o impacto pela montagem, manutenção e desenvolvimento da infraestrutura recai sobre o orçamento municipal¹. Outro fato preocupante é que o governo pode acabar limitando a participação popular, utilizando a rede para servir a propósitos políticos.
Apesar de haver controvérsias sobre os pontos positivos e negativos de cada modelo previsto no edital do governo federal para as Cidades Digitais, nota-se que o controle e a participação popular sempre foram as melhores formas de se evitar abusos.
¹ O custo médio para cada residência, disponibilizando-se acesso de 1 mbps com qualidade, é de R$ 16 mensais, mais o link (R$ 120 para cada 14 usuários), mais manutenção (R$ 6.000 para cada 1.000 residências), mais reposição de infraestrutura (cerca de R$ 72 por residência a cada cinco anos). Fonte: Termo de Referência do Edital de Cidades Digitais do MCTI.
Como funciona a cidade digital?
Para funcionar plenamente, uma Cidade Digital necessita de um plano estratégico, elaborado pela prefeitura; e de um conselho municipal, através do qual o governo municipal poderá garantir recursos para implantar, desenvolver e manter o projeto. Isto se dá através de um fundo, que é alimentado por arrecadações fiscais do município. Nada impede, contudo, que os governos estaduais e federal também contribuam financeiramente.
O conselho municipal, denominado de Conselho Municipal de Gestão da Internet (Comgin), funcionará como órgão deliberativo e será o gestor do Fundo Municipal de Inovação, Inclusão e Infraestrutura (Fundo 3i), criado especificamente para angariar os recursos utilizados na manutenção da cidade digital.
O Comgin é composto em sua maioria por representantes da sociedade civil, mas conta também com a participação de instituições de ensino e pesquisa, empresas e governos federal, estadual e municipal.
Os recursos provenientes do Fundo 3i vão garantir não só a manutenção da infraestrutura, mas também o desenvolvimento de outras ações – sobre segurança pública, educação, saúde, inovação tecnológica, mobilidade urbana e cultura, por exemplo.
Outra finalidade do Fundo 3i será fomentar a criação de um Centro de Inovação e Capacitação, voltado para a criação colaborativa de ideias, produtos e serviços, tanto de cunho social quanto de mercado. Este centro funcionará como embrião para a criação de provedores comunitários – provedores de internet sem fins lucrativos, gerenciados por associações e contando com a participação plena dos seus respectivos associados. Tais provedores darão suporte às redes de última milha, que levarão a internet até o usuário final e garantirão suporte técnico ao internauta.
Por serem formados em associações, os provedores comunitários poderão arrecadar taxas de manutenção junto aos usuários, na própria comunidade. Como – ao contrário dos provedores comerciais – sua finalidade não é obter lucro, a tendência é que a internet seja disponibilizada à população a baixo custo.
Com o tempo, os Centros de Inovação e Capacitação também poderão dar suporte a telecentros, rádios comunitárias e pontos de cultura. Estarão, desta forma, transformando-se em polos de cidadania e inclusão nas chamadas Comunidades Digitais (comunidades integradas através das Tecnologias de Informação e Comunicação).
De onde vêm os recursos?
Há várias maneiras de garantir recursos para as cidades digitais:
Fundos perdidos – O Fundo 3i poderá receber recursos de órgãos financiadores de projetos de inovação e afins.
Transferências voluntárias – Com base em projetos apresentados pela prefeitura, os governos estadual e federal também poderão cooperar na manutenção das redes.
Transferências fundo a fundo – O Fundo 3i, gerido pelo Comgin, poderá receber alíquotas oriundas de fundos públicos federais e estaduais, tais como FUST, FUNTTEL, FNDCT, FNC, FNE, FNSP e FNHIS.
Recursos fiscais municipais – O Fundo 3i também poderá receber alíquotas da arrecadação fiscal local, bem como garantir incentivos fiscais para empresas que queiram colaborar com a política pública de banda larga e inclusão social e digital.
Tarifas sociais através de provedores comunitários – Com a atuação dos provedores comunitários ligados ao Fundo (aquisição de link), os internautas arcarão com o custo de internet. Tais recursos serão repassados ao Fundo 3i através de convênios ou diretamente através da empresa vencedora que os atendam via concessão.
Concessão das redes para empresas privadas – Apesar de o acesso à internet via provedores comunitários ser de cunho social, as empresas privadas também poderão utilizar a infraestrutura para fins comerciais. Serviços como TV por assinatura, segurança pública, telefonia por VoiP e até pacotes diferenciados de internet poderão ser oferecidos à sociedade através do mercado, desde que haja uma concessão ou contratação via edital. Neste modelo o poder público poderá promover parcerias na construção colaborativa da infraestrutura, permitindo que as dotações do Fundo 3i sejam usadas com as seguintes condições:
- Eventualmente o Comgin poderá adotar modelos de divisão geográfica para os editais, permitindo que mais de uma empresa atue dentro do território de forma separada e não conflitante;
- A(s) empresa(s) que der(em) o melhor lance para construção da rede vence(m) o edital;
- A infraestrutura será usada de forma compartilhada por x anos para garantir ROI à(s) empresa(s) vencedora(s);
- A infraestrutura terá uso comercial, comunitário, público e acadêmico, tendo a divisão da infraestrutura para estes fins;
- A(s) empresa(s) vencedora(s) irá(ão) arcar com a manutenção do Backhaul e a interconexão com o Backbone; e por isso receberá(ão) uma taxa básica mensal estipulada pelo Comgin para cada suporte contratado pelos atores que aderirem a esta infraestrutura. São atores desta rede: Empresas, provedores comerciais e comunitários, poder público, escolas e academias, companhias elétricas e de fornecimento de água, indústrias, e outros que aderirem ao Fundo 3i etc;
- A contratação de link será feita pelo Fundo 3i ou pela(s) empresa(s) vencedora(s), mas, com o condicionante de que o valor de oferta aos atores aderentes ao fundo sejam iguais e a preço de custo;
Quais os resultados esperados?
A implantação de uma rede pública/comunitária de internet traz diversos benefícios para a sociedade. Pode-se afirmar que:
A cada 10% da população incluída digitalmente, o PIB (produto interno bruto) do município aumenta 1,3%.
A internet livre gera um impacto positivo de 4,2% no PIB mundial, enquanto o impacto gerado pelo setor privado de telecomunicações não passa de 2,1%.
Estes números positivos produzem um saudável efeito cascata: quando existe uma rede pública de comunicação com mecanismos de autossustentabilidade, os gastos públicos diminuem. Somente em 2010, o governo federal gastou mais de R$ 1 bilhão em serviços de telecomunicações. Quanto poderia ter economizado com uma política mais eficiente de banda larga? Quanto se poderá economizar com o uso cada maior das Tecnologias de Informação e Comunicação na gestão de políticas públicas de saúde, educação, segurança pública e mobilidade urbana, entre outras?
Com a inclusão digital, todos terão mais poder. Seja o estudante, a dona de casa, o trabalhador da cidade ou o fazendeiro. A informação chegará a todos os lares, fortalecendo a estrutura social. Através das cidades digitais, será possível subir mais um degrau rumo à Era do Conhecimento e transformar a Sociedade da Informação.
Custo e infraestrutura
O custo e a infraestrutura serão retirados do próprio Termo de Referência¹ do Edital de Cidades Digital do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, em 2011, pois, não há diferenças consideráveis para a concretização desta primeira etapa da política pública.
¹ Documento anexo A explica de que forma as cidades digitais devem ser montadas. Neste documento existe a relação dos equipamentos, os custos e a metodologia de implantação.
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