Uma certa vez em um seminário sobre redes comunitárias no SESC São Paulo, fiz uma apresentação dos aspectos territoriais da teoria de Milton Santos, tentei relacionar alguns de seus escritos com a construção de redes comunitárias.Logo após o evento, nos reunimos em um restaurante. Estava conversando com um amigo, desenvolvedor do libre Mesh, software utilizado hoje nas antenas nos projetos de redes comunitárias. Falamos sobre como os roteadores se comportavam, o que era um computador, a relação da técnica e as pessoas. Em determinado momento da conversa esse amigo disse: “eu comecei a acreditar que redes comunitárias em áreas urbanas a partir do projeto da Casa dos Meninos…”
Para contextualizando, a Casa dos Meninos é organização social, que trabalha com apropriação territorial, juventude e novas tecnologias na periferia da cidade de São Paulo. E desde 2010 projeta a construção de conteúdos locais através de uma rede comunitária.
Bom, com a Casa dos Meninos contextualizada, gostaria de voltar a fala desse amigo. Confesso que no momento em que ele disse isso, fiquei muito feliz, pois percebi que éramos uma referência. Mas ao passar dos anos, visitando projetos de redes comunitárias e ouvindo testemunhos, percebi que a maior parte das redes comunitárias são construídas em contextos rurais, principalmente para proporcionar conexão de internet em locais ainda com pouco ou nenhum sinal.
Agora voltemos ao contexto urbano, porque será que temos poucos projetos de redes comunitárias projetadas em áreas urbanas? Ou porque meu amigo não acreditava muito na construção delas nesses lugares? Será que se considera que rede comunitária se reduz a proporcionar conexão de internet onde ainda não há interesse comercial para isso? Será que tendo interesse comercial, como na cidade de São Paulo, o fluxo de conexão esteja mesmo resolvido?
Quando viajamos para lugares distantes, afastados das grandes cidades o risco de perda de sinal é recorrente, esta constatação idealiza que a cidade esteja em condições de conexão solucionadas. Porém isso não é real.
Hoje por exemplo temos as redes mesh, que permite a descentralização do sinal.
Os desafios de conexão para lugares como a cidade se diferenciam das áreas rurais, seja pela infraestrutura já montada das telecomunicações e também ocasionadas pelos tipos de barreiras, na zona rural, a presença de montanhas e árvores podem dificultar a passagem do sinal. Na cidade, principalmente nas periferias o desafio se apresenta diante de todas as formas da construção civil ou das autoconstruções.
As grandes corporações dispõem de infraestrutura caríssimas, instalações de torres em locais estratégicos da cidade, no intuito de viabilizar a fluição do sinal, e mesmo assim o que vemos é uma disponibilização precária de sinal em diversos locais, principalmente nas periferias. É recorrente encontrar reclamações de que determinada operadora funciona num local, mas não funciona num outro e assim por diante.
É importante chamar a atenção para esta situação, pois nos remete a refletir os desafios da construção do sinal pelos movimentos sociais, através das redes comunitárias. As barreiras físicas existentes dificultam ou por vezes inviabilizam a passagem do sinal. Diante de uma situação onde contamos com equipamentos domésticos para a instalação da rede comunitária, diferente do utilizado pelas grandes corporações.
Como então resolver essa questão? De princípio, tendemos a achar que antenas com mais potência (mais caras) resolveria ou então, sonhar com a instalação de grandes torres em lugares estratégicos. Essas alternativas caminham para a mesma lógica que as grandes corporações da telecomunicação já utiliza, isso é, requerem mais investimento financeiro, maior infraestrutura, que no caso já percebemos não ser capaz de resolver por completo a situação.
Pensar a reprodução do sinal no território urbano com extensas áreas com autoconstrução, que não são padronizadas ou previamente planejadas requer propostas audaciosas com soluções que não se limitem apenas ao aumento de investimento financeiro. Então o que nós propomos a pensar é quais outros possíveis caminhos devemos, enquanto rede comunitária, trilhar? É possível propor duas respostas para essa questão.
A primeira resposta pode ser encontrada no desenvolvimento técnico das redes comunitárias, há perspectiva tecnológica que vai na contramão da cultura da “posse”, do centralizado. Hoje por exemplo temos as redes mesh, que permite a descentralização do sinal. Todas as antenas instaladas com esse software são possíveis multiplicadores do sinal, caso uma antena deixe de funcionar, a rede vai buscar o sinal em uma outra antena mais próximo. Esse modo de funcionamento da rede possibilita que o sinal tenha maior probabilidade de afluição. A segunda resposta possível está na própria concepção das redes comunitárias. Quando se inicia um processo de construção da rede não se está querendo competir com as grandes corporações da telecomunicação, muito pelo contrário, neste processo o interesse é justamente superar necessidades e condições que as empresas não estão se dispondo a fazer.
As barreiras físicas existentes dificultam ou por vezes inviabilizam a passagem do sinal.
A construção da rede passa pela criação de sentido para as pessoas que ali moram, seja na apropriação técnica e na ampliação das possibilidades, sem limitar o acesso das pessoas a determinados aplicativos.Importante fazer um parêntese nesta questão, é frequente as operadoras de telecomunicação oferecer planos mais “baratos” para a população da periferia, onde ela apenas pode acessar ferramentas pré-estabelecidas como o WhatsApp ou facebook. Esse tipo de atuação vai na contramão das possibilidades existentes a partir da disposição tecnológicas existentes.
O caminho a se percorrer, mesmo que tortuoso, é na multiplicação do sinal por distancias curtas, de uma casa para outra, em um planejamento que requer envolvimento da comunidade. Perseguir a construção da malha a partir de infinitos pontos e não se deixar iludir pela implantação de grandes monumentos.