Para contar a história da inclusão digital e das políticas de acesso à internet no Brasil, dentro dos momentos mais relevantes, vale encurtar o período para após o lançamento do PNBL (Plano Nacional de Banda Larga) em 2010, mesmo que antes ainda tenhamos as políticas de telecentros, pontos de cultura, GESAC , centro de recondicionamento de computadores e outras políticas do MEC, como o ProInfo, por exemplo.
O PNBL é fruto de amplo debate e discussão da integração de políticas de inclusão digital e de acesso, agregando várias vertentes, não só infraestrutura, mas, formação, inovação tecnológica, cultura digital e uso dos serviços de governo eletrônico.
Vale também reforçar que um dos maiores problemas das políticas de inclusão digital e de acesso no país é a falta de ordenamento por lei, funcionando basicamente como programas de governo. Tal fato levou o TCU a elaborar um diagnóstico sobre as políticas de banda larga no país, onde a maior evidência era a falta de planejamento e integração entre as políticas, ou seja, apesar dos esforços para a integração das políticas, isso de fato não ocorreu por não haver ordenamento legal forte para sua consolidação e em consequência da falta de ordenamento, o planejamento também não correu de forma concreta para que tais políticas fossem mais efetivas e eficientes.
Mesmo com todas estas dificuldades e um dispêndio de recursos públicos de altas somas, algumas políticas sobreviveram ao tempo, como o programa GESAC, que promove o acesso à internet em pontos que respondam aos requisitos do programa, como em localidades onde não há acesso disponível por serviços privados ou de interesse publico e comunitário sem as condições para aquisição do serviço.
Então voltemos ao PNBL, que em resumo, ao longo dos anos, para se reinventar, foi mudando de nome e mudando também suas regras infra legais através dos decretos presidenciais.
Esta política tinha como espinha dorsal a universalização do acesso à internet, revitalizando a Telebras para ser um dos braços fortes desta política, levando infraestrutura e o serviço a preços módicos tanto na oferta de atacado, através de redes de transporte de alta capacidade como eventualmente ofertar o serviço no varejo, em localidades sem o serviço ou com baixa competitividade, seja através dela mesma ou de parceiros.
Apesar da abertura de diálogo nos anos iniciais do PNBL, este sonho, desde o início já se mostrava distante e também ao longo do tempo a Telebras não conseguiu atender aos dispositivos no decreto, deixando ainda as localidades infoexcluídas no país a desejar.
Por fim, nos últimos anos, a Telebras conseguiu operacionalizar o satélite brasileiro, mesmo que com uma parceria estrangeira e com muita dificuldade. Conseguiu ter a dispensa de licitação para demandas do poder público federal e viabilizar as políticas do GESAC, que agora tem novo nome fantasia – WiFi Brasil.
A nova política herdou os pontos do GESAC, se reinventando já com 13 mil pontos, onde 10 mil são de escolas publicas e o restante são algumas comunidades infoexcluídas no país, como quilombos, aldeias indígenas e outras comunidades tradicionais ou de periferia que atendam aos requisitos do programa federal.
Da nova política, o WiFi Brasil, havia uma promessa interessante, mas, que na prática acabou se limitando as conexões por satélite, ou seja, uma política que poderia agregar telecentros, pontos de inclusão digital e redes comunitárias como pontos de ampliação do acesso acabou morrendo na praia, pois, os links via satélite, além de terem uma qualidade inferior, a banda no programa ficou limitada a 20 Mbps. A esperança é que num futuro próximo outra política possa se integrar a esta, como o Internet para Todos, permitindo que os links também possam ser via terrestre e que a banda disponibilizada possa ser maior, permitindo que o acesso seja compartilhado e ampliado nos territórios atendidos pela política.
Só para explicar, a política Internet Para Todos vinha com o objetivo da Telebras ofertar link de atacado para pequenos provedores e redes comunitárias com preços módicos e isenções fiscais a fim de reduzir os custos de acesso em localidades infoexcluídas. Só que até agora esta política não funcionou devido aos problemas no CONFAZ para garantir as isenções fiscais.
Retornando ao PNBL e às políticas de acesso, temos ainda o programa de Cidades Digitais. Política esta que também foi mal planejada e executada, tendo pelo menos um edital embargado pelo TCU e outros dois que desde 2013 só conseguiu implantar parcialmente um pouco mais do que 160 cidades. A nosso ver esta política é essencial para a democratização e universalização do acesso, mas, como disse o TCU, sem planejamento e sem integração a falha é certa. Só para dar um exemplo, o governo do Estado do Rio de Janeiro gastou aproximadamente 30 milhões de reais no programa Rio Estado Digital e a política toda foi praticamente para o limbo. Em resumo o Ministério das Comunicações vem tentando mudar esta política tirando seu enfoque principal de criar infraestrutura pública e como bem comum, o que aparenta ser um grave erro, mas, teremos que ficar atentos e tentar intervir para que a política não caia de vez.
As políticas de acesso ligadas à educação conseguiram vingar ao longo do tempo, mas, sem controle efetivo algum, como por exemplo, o PBLE (Programa Banda Larga nas Escolas), que tinha por objetivo interligar todas as escolas urbanas do país tem seus indicadores mais furados do que peneira, onde já foram constatadas várias escolas ditas como conectadas e na real não havia a política implantada. A falta de controle é tanta que existem escolas que têm políticas sobrepostas entre os níveis de governo.
Até agora este artigo parece mais um anúncio do apocalipse. Pois é!!! Porque agora adentraremos no que existia de lei e o que está sendo mudando. A LGT (Lei Geral de Telecomunicações) é um dos nortes para as políticas de acesso e em 2019, depois de anos de batalha, o lobby das teles levaram o bolo, praticamente acabando com a possibilidade dos serviços de interesse público existir e arrecadarem 121 bilhões de patrimônio público a preço de banana. Na verdade ainda esta em disputa o valor a ser pago por este patrimônio, mas, o lobby continua forte. A verificar as cenas dos próximos capítulos.
Em consequência da mudança da LGT, veio à galope a mudança da Lei do FUST (Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações), que tem um montante contábil acumulado com mais de 22 bilhões de reais, que deveria ser investido na infraestrutura de serviços sob concessão (telefonia fixa) e nunca foi usado a contento. Ahhhh, mas, o que a telefonia fixa tem a ver com políticas de acesso? As operadoras usaram esta mesma infraestrutura para ofertar serviços em regime privado, que é o caso da banda larga e nada pagaram por isso. O nome desta prática é subsidio cruzado, onde o uso de uma infraestrutura sob concessão pública estava sendo usada para fins privados, ou seja, a infraestrutura era para a telefonia fixa (concessão pública), mas, estava sendo usada pra banda larga e até telefonia móvel (autorização privada).
Por fim, temos o tão famoso leilão de espectro do 5G para a telefonia móvel. É de praxe que nos leilões de espectro, feitos pela Anatel e analisados pelo TCU, venham com algumas regras e obrigações aos vencedores do certame.
Neste sentido, o leilão tem algumas falhas no sentido de que as obrigações não estão muito específicas, deixando em aberto pontos que podem vir a ser prejudiciais para a sociedade e um agravante de que a banda em 26Ghz, que é gigante, não tem obrigação nenhuma.
Existe um mito em volta do 5G de que será a solução de todos os problemas de exclusão digital no país com esta nova tecnologia. Mito porque está se afirmando que parte das obrigações será levar acesso para localidades até 600 habitantes até 2029. Vale lembrar que o modelo de negócio da telefonia móvel tem mecanismos predatórios e excludentes, que até hoje ainda criam desigualdades no acesso, gerando uma internet ara ricos, com acesso ilimitado e irrestrito; e outra para pobres com pacotes de dados insuficiente, limitação no acesso e qualidade precária, além de preços que ainda inviabilizam a sua universalização de forma plena e justa.
O resultado deste debate ainda não teve um desfecho total, onde propostas legislativas ainda ocorrem com certa frequência e ainda estão tramitando no congresso, mas, estamos numa fase crítica de se buscar um equilíbrio econômico para as mudanças legais que foram feitas e que, como dito, envolvem bilhões de reais e irão determinar quais tipos de políticas de acesso e inclusão digital teremos. O IBEBrasil é uma organização de ativismo digital e atua através de incidência política e regulatória sobre os temas de acesso à internet e inclusão digital no país, integrando ainda a Coalizão Direitos na Rede, que somam mais de 40 entidades que atuam na defesa dos direitos humanos e direitos digitais da sociedade brasileira.