Ao iniciar a construção de uma rede wifi comunitária, no geral, o sentimento de animação dos envolvidos é grande. Essa animação por vezes refere-se à condição de se apropriar e dispor do acesso à internet que ainda é muito cara e precária em diversos locais das cidades.
No decorrer do processo, as dificuldades vão aparecendo, diversos obstáculos paralisam ou dificultam a caminhada desses coletivos, dentre os mais comuns, destaco três que tem se apresentado com maior frequência, sendo eles: a autossustentabilidade da Rede, a partilha de conhecimentos técnicos necessários para sua manutenção e o processo regulatório com as entidades governamentais.
O ato de compartilhar necessita estar atrelado a uma condição em que possamos colocar isso em prática.
Os três elementos mencionados acima precisam ainda de maior debate e resolução, porém queremos chamar a atenção para uma outra questão que nem sempre é destacada, mas que aparece e se relaciona com todo o debate da construção de redes comunitárias, esta questão se refere há alguns valores sociais e culturais que baseiam o debate e os interesses das redes comunitárias, como por exemplo a importância de valorizar o compartilhamento.
E o que é compartilhar? Se você for num site de pesquisa (pode ser o Google mesmo, fazer o quê né?– risos), ele dará um significado geral dessa palavra. Pode ir lá pesquisar…, eu espero…
Foi? E então, o que achou?
Ah, mas tem um adendo, se você acha que quando falo em compartilhar estou mencionando aquele botão que fica abaixo das publicações das redes sociais famosas, não é só sobre isso não.
Para começar podemos pensar, o quanto nós no dia a dia compartilhamos? Sejam bens materiais, conhecimentos, sabedorias… .
Atualmente cerca de apenas 50% da população mundial tem acesso à internet, porque? Quem escolhe quem tem acesso e quem não tem? Porque quem tem acesso não compartilha seu sinal com pessoas ao seu redor?
O ato de compartilhar necessita estar atrelado a uma condição em que possamos colocar isso em prática. Um exemplo possível é quando estamos na rua e precisamos descartar algum objeto (lixo) é muito mais possível que as pessoas joguem o lixo no lugar correto se tiver um local (lixeira) para esse descarte, senão fica só campo da intenção de cada um guardar o lixo ou jogar na rua.
E porquê valores como compartilhar, solidariedade e colaboração não estão presentes, ou melhor, pouco presente em nossas relações cotidianas? A sociedade atual prega valores muitas vezes contrários a isso, em todos os lugares somos chamados para relação de competição, individualismo, se fala muito sobre a meritocracia.
Então, o ato de compartilhar é algo muito distante do nosso cotidiano, nossas relações sociais e culturais não incentivam para isso. Atualmente cerca de apenas 50% da população mundial tem acesso à internet, porque? Quem escolhe quem tem acesso e quem não tem? Porque quem tem acesso não compartilha seu sinal com pessoas ao seu redor? As respostas podem ser múltiplas, com maior ênfase sugiro dizer que nossos valores de maior predomínio social inviabilizem essa prática de compartilhamento, mas não apenas isso, as condições materiais também são determinantes, exemplo disso são os bloqueios que muitos roteadores têm justamente para impedir ou prejudicar o compartilhamento do sinal.
Nesse sentido pensar numa cultura do compartilhamento, será preciso encontrar formas de superar valores que somente reproduzem as disputas e as desigualdades sociais. E criar condições necessárias para torná-los uma prática cotidiana.
E como fazer isso?
A reflexão sobre esse tema já é um bom começo. Necessitamos abrir o debate de onde possamos compreender que valores como a colaboração e a partilha possam ganhar mais do que as disputas, talvez esse seja um bom assunto para avançarmos nos coletivos de redes digitais.
O debate para construção de novos valores sociais e culturais, não é fácil, na relação técnica pode até ser possível trocar um sistema operacional de um roteador e fazer com que ele se comporte para partilhar o sinal wifi com meus vizinhos, mas, em nós humanos, como “instalamos” um “software” da colaboração e da partilha?